A quantidade de denúncias de violência doméstica contra mulheres passou de 13 mil somente no primeiro semestre deste ano em Manaus, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas (SSP-AM). Apesar do crescimento, especialistas da área acreditam que o atual cenário é positivo, pois a denúncia é uma arma importante para combater casos de feminicídio.
De janeiro a junho, 13.042 mulheres foram vítimas de violência doméstica. No mesmo período do ano passado, o número de agressões chegou a 11.736. O levantamento indica, ainda, que no ano de 2018 foram 24.533 denúncias registradas.
A titular da Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher (DECCM), Débora Mafra, acredita que o aumento na quantidade de denúncias se deve ao fato da mulher estar mais consciente de seus direitos, principalmente após lei Maria da Penha.
“As denúncias aumentaram porque a mulheres têm se conscientizado, se identificado com o problema, e querem resolver os seus problemas. Isso é muito positivo para nós, que somos do segmento em combate à violência doméstica. Nossa mulher amazonense é guerreira e decide querer acabar com isso”, disse Mafra.
Segundo a delegada, a maioria das denúncias que chegam às autoridades dizem respeito à ameaça e injúria – que são violência psicológica e moral. Casos de violência física, como lesão corporal, aparecem na sequência.,
“Já nas primeiras injúrias sofridas, as mulheres têm denunciado, porque temos propagado demais a importância disso. Isso tem diminuído o feminicídio, que tem ficado estável e até baixo, quando comparada ao número da população que temos na cidade de Manaus e isso é uma vitória muito grande”, apontou.
Segundo dados preliminares, foram registrados nove casos de feminicídios em todo Estado nesse ano de 2019. Foram oito em Manaus e um no interior.
“Interessante que nenhuma dessas 9 registrou contra o companheiro, o agressor. Estamos em Manaus com 2 milhões de habitantes e é um número bem pequeno em relação a outras capitais e de outros estados”, analisou.
De acordo com a delegada, é comum que – mesmo após sofrer violência de seus companheiros – muitas mulheres retornem ao lar. A dependência financeira é uma das principais motivações para isso acontecer.
“O marido sustentava a família – às vezes não tem um emprego fixo e faz aquele bico – que consegue sustentar as crianças e a esposa. Mas na hora que coloca na justiça para pedir uma pensão alimentícia correta não vai ter um valor econômico que possa sustentar esses filhos. Então acaba ela retornando para o lar e para o marido”, contou a delegada.
Outro motivo que leva a mulher a reatar a relação com o abusador é o sentimento ainda nutrido pela vítima.
“A autoestima dela é muito baixa – até pela violência doméstica – então essa mulher acredita que nunca mais vai arrumar alguém. Acredita no pedido de perdão dele, dizendo que vai ser a última vez que vai agredi-la, então são vários fatores”, analisou Mafra.
E foi justamente a dificuldade em cultivar o amor próprio que fez com que a comerciante, Marina Ferreira*, de 34 anos, aceitasse o companheiro de volta.
“Eu nunca precisei dele financeiramente. Pelo contrário, ele não trabalhava e pediu para morar comigo. Eu pagava tudo, até a academia dele”, disse.
Eles passaram três anos juntos até que Marina percebesse que o ciúme do companheiro – antes entendido como uma representação de carinho e cuidado – tomasse rumos perigosos.
“Nunca fui de ter muitas amigas, e as poucas que tinha ele não queria mais que fosse visitá-las. Também não gostava que eu postasse fotos nas redes sociais e nem que eu usasse maquiagem. Um dia, uma amiga veio à minha casa e arrumou meu cabelo e me maquiou. Me senti bonita e postei uma foto no whatsapp, foi suficiente para ele quebrar meu celular e me bater pela primeira vez”, disse.
As agressões continuaram. Marina chamou a polícia e pediu que o companheiro deixasse a casa. Entretanto, um mês após a decisão, a jovem voltou atrás e reatou a relação.
“Ele me pediu perdão e dizia que ninguém ia me querer porque já não sou mais novinha. Me dizia que era feia, colocava defeito no meu corpo, que nem com maquiagem conseguia melhorar minha aparência. Ele falava que eu tinha sorte de tê-lo ao meu lado. Ele me perguntava como eu ia ficar sozinha em casa e como ia lidar com tudo”, contou.
A ‘lua de mel” durou exatos 23 dias, quando a jovem foi novamente agredida. “Eu peguei uma carona com um amigo e uma amiga na volta para o trabalho, porque a loja fechou mais tarde. Ele estava me esperando no portão de casa. Assim que entrei, ele começou a me empurrar e me socar, dizendo que eu estava traindo”, contou.
Com hematomas pelo corpo e vergonha de sair de casa, ela contou com a ajuda de amigas e da própria chefe para fazer nova denúncia.
“Até hoje, ele ainda me liga, pede pra termos mais uma chance porque ele disse que buscou ajuda e é um novo homem. Mas só eu sei o que vivi e não desejo a ninguém”, finalizou.