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Justiça passa a aplicar Lei Maria da Penha a casos de exposição íntima na internet

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*ConJur

Vazamentos de imagens íntimas pela internet têm sido vistos pela Justiça como uma das formas mais recentes e cruéis de violência de gênero.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou um morador de Uberlândia a indenizar em R$ 75 mil sua ex-namorada por divulgação não autorizada de fotos íntimas. Em Cuiabá, a Justiça concedeu medidas protetivas de urgência a uma jovem de 17 anos que teve vídeo íntimo publicado em um site pornográfico internacional por seu ex-namorado.

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Os casos acima são tratados como violência moral pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) e vêm recebendo cada vez mais atenção dos operadores da Justiça, pelo número crescente de casos que chegam aos tribunais.

O vazamento de imagens íntimas pela internet tem sido visto como uma das formas mais recentes e cruéis de violência de gênero, praticada contra meninas e mulheres. No Brasil, os casos, em geral, tramitam nas varas especializadas de violência doméstica, mas não há levantamento que permita chegar ao número de ocorrências.

“Esse é um crime novo e que vulnerabiliza a mulher. Muitas acabam sequer denunciando o autor. O que é uma pena, já que é preciso ficar claro para a sociedade que ela não tem culpa alguma daquilo. É um crime típico de uma sociedade machista, que ao invés de reagir contra a forma desrespeitosa, irresponsável, aliás, desprezível, com que esse homem tratou a parceira, culpa a mulher”, diz o superintendente da Escola Judicial do TJ-MG e integrante de 5ª Câmara Cível, desembargador Wagner Wilson Ferreira, relator de um desses processos ocorridos em Minas.

Ele explica que a forma de reparação de um dano moral é uma questão complexa, uma vez que atinge todos os níveis de relacionamento da mulher, como a família, o ciclo social e as relações de trabalho.

“É um crime praticamente irreparável, mas, como precisamos transformar a pena em indenização pecuniária, o valor não deveria ser irrisório. Claro que é preciso respeitar o nível de renda de cada um, mas precisa ter um impacto pedagógico”, diz o magistrado, que em um caso de disseminação indevida de material digital íntimo conseguiu evitar que a indenização fosse arbitrada em apenas R$ 5 mil.

A jornalista Rose Leonel, 47 anos, teve sua vida virada do avesso quando, há 12 anos, foi vítima da chamada pornografia de vingança (revenge porn) por um ex-namorado, em Maringá (PR). Além de perder o emprego, Rose foi obrigada a mandar seu filho morar com o pai no exterior, para que o menino, na época com 12 anos, não sofresse toda ordem de humilhações e traumas.

Rose transformou a dor em luta. Fundou, em 2013, a ONG Marias da Internet, voltada para o acolhimento e a orientação de mulheres que passam pela mesma situação. No primeiro ano de funcionamento, a ONG fez, em média, três atendimentos mensais. Atualmente, chega a atender nove casos por mês.

Penas mais duras
No Congresso, tramita projeto de lei que tipifica os casos de disseminação indevida de material digital íntimo. Uma das alterações prevê que a prática não seja mais julgada como crime de menor potencial ofensivo, em que as penas não superam dois anos e são transformadas em penas pecuniárias. O projeto tramita na Câmara e, se aprovado sem alterações, segue para sanção.

No caso de Rose Leonel, mesmo tendo sido apenado, inicialmente, com indenização de R$ 30 mil, o ofensor nunca reparou seu crime. “Quando as penas são irrisórias, vira uma piada. Ele foi condenado a uma cesta básica, pois tirou todos os bens que tinha de seu nome. Obviamente, não houve justiça no meu caso. E acho que raramente as mulheres se sentem indenizadas. A verdade é que, a cada clique, ela é violentada novamente”, afirma.

Para evitar que os processos não sigam adiante por falta de provas, a ONG fundada por Rose tem parceria com a Associação de Peritos Forenses, que faz perícias e investigação digital. “Se fôssemos pagar por uma investigação digital, não sairia por menos de R$ 10 mil. Mas, com a parceria, oferecemos gratuitamente.”

Machismo e responsabilização
“Em nossa sociedade, espera-se que as mulheres tenham um comportamento sexual que não dê margem para esse tipo de exposição. Se acontece, as pessoas julgam que ela tem culpa, pois se colocou nessa situação. Mas, antes de sair julgando, a sociedade não lembra que, entre aquele casal, havia intimidade e um contrato de confiança”, reforça a juíza Ana Graziela Vaz de Campos Alves Corrêa, titular da 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar de Cuiabá.

Segundo a juíza, como são práticas previstas na Lei Maria da Penha, a Justiça pode aplicar medidas protetivas de urgência para salvaguardar a vida dos envolvidos.   

“Já concedi medidas para que o ofensor se mantivesse longe da vítima e de toda a sua família, assim como obrigando-o a retirar todo material publicado por ele no site pornográfico por vingança”, conta.

Replicar fotos ou vídeos recebidos por outra pessoa também é crime. Há peritos forenses especializados em buscar na internet as imagens ilegais. Se comprovadamente outras pessoas encaminharem esses materiais, considerados provas de um crime, também podem ter de responder por difamação. A juíza Teresa Cristina Cabral Santana, titular da 2ª Vara Criminal de Santo André e integrante da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Contra a Mulher do TJ-SP, já se deparou com casos assim.

“A Justiça tem instrumentos para descobrir a autoria desses crimes. Fazemos rastreamentos, quebra de sigilos e obrigamos a retirada desses conteúdos, das plataformas. Mas é preciso que a mulher denuncie quando for vítima desse tipo de crime. Muitas vezes ela mesma se culpa, por ter se deixado fotografar. Precisamos mudar a nossa cultura, acabar com esse moralismo que permite tantas violências”, diz. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.